APRESENTAÇÃO
O Programa
de Pós-graduação em Lingüística – Curso
de Mestrado em Lingüística do Instituto de Letras e Lingüística
(ILEEL) da Universidade Federal de Uberlândia tem o prazer de lançar,
com este volume, a coleção Lingüística IN
FOCUS, criada para divulgar a produção científica
do Programa e de pesquisadores convidados, ou participantes de eventos promovidos
pelo ILEEL.
O Programa
de Pós-graduação em Lingüística conta atualmente
com três linhas de pesquisa: 1) Teorias e Análises Lingüísticas:
estudos sobre Léxico, Morfologia e Sintaxe; 2) Estudos sobre Texto e
Discurso e 3) Estudos sobre o Ensino/Aprendizagem de Línguas.
Os trabalhos ora apresentados relacionam-se com projetos ligados às
três linhas. Para a linha 1 encontram-se dois trabalhos sobre morfologia
e léxico dentro de questões referentes à mudança
lingüística no quadro dos estudos da gramaticalização
(cf. Martelotta e Travaglia); nessa mesma linha, três outros trabalhos
tratam de questões de lexicologia e constituição
de dicionários (cf. Martins, Cano e Moraes Filho) e um sobre sintaxe
(cf. Rocha). Os estudos de Fernandes e Santos pertencem à linha de pesquisa
2, dentro dos quadros da Análise do Discurso. Os trabalhos de Azambuja
e Guilherme de Castro também relacionam-se com a linha de pesquisa 2,
dentro do quadro da Lingüística Textual e da Análise da
Conversação, mas voltam-se para reflexões sobre o ensino
e aprendizagem de língua e ligam-se, portanto, também à linha
de pesquisa 3. Exclusivamente atinentes a esta última linha, temos os
estudos de Figueiredo e Jesus; ambos abordam questões relativas à leitura.
Vejamos especificamente do que trata cada um desses estudos.
Em seu artigo Leitura e Criticidade em Língua Estrangeira,
no campo da Lingüística Aplicada Crítica, Célia Assunção Figueiredo discute
visões de criticidade ligadas ao ensino da leitura no contexto de formação
de professores de línguas. A autora considera de crucial importância
a compreensão, por parte de aprendizes, futuros professores, do papel
da re-construção de práticas sócio-político-educacionais
de emancipação à luz dos postulados freirianos, ou seja,
em termos de uma educação crítica; e, concebendo a leitura
como um evento social, apresenta ainda considerações a respeito
do processo de leitura e de aspectos ideológicos relacionados ao seu
ensino, bem como levanta questionamentos quanto ao papel do aluno-leitor, do
professor de línguas e da própria aprendizagem nessa área.
O estudo de Cleudemar Alves Fernandes, intitulado A
Constituição da Análise do Discurso na Lingüística,
como o próprio título indica, destina-se à explicitação
da constituição da Análise do Discurso (AD) como uma
das ramificações da Lingüística. Para tal intento,
recorre à noção de atravessamento e mostra que a Análise
do Discurso resulta de um atravessamento de outros campos disciplinares
na Lingüística. Trata-se de uma formulação teórica
que engloba, de maneira indissociável, sujeito, história,
ideologia e discurso, e explicita que a interdisciplinaridade constitutiva
da AD deve-se a problemas encontrados no seio da linguagem, quer seja verbal
ou não. Trata-se, por um lado, de questões de linguagem que
não encontram em outros campos da Lingüística possibilidades
de interpretação, cujas explicações conclamam
a recorrência às teorias do materialismo histórico;
e, por outro lado, de uma possibilidade de leitura e interpretação
de toda equalquer materialidade lingüística, tendo em vista
a natureza essencialmente ideológica do signo, que nega a imanência
do significado e aponta uma possível crise da Lingüística
imanente. Assim, ao lado das noções de língua, linguagem,
fala, texto, etc., acrescenta-se a noção de discurso, como
um objeto específico, de difícil apreensão, dado seu
caráter de dispersão histórico-social e alvo de constantes
equívocos decorrentes, inclusive, de sua tomada como sinônimo
de texto ou de diálogo conversacional. A natureza constitutiva do
discurso traz em si contradições que funcionam como regularidade,
como coerência, como estrutura argumentativa, aspectos que rompem
a perspectiva da análise textual e/ou comunicacional.
Evandro Silva Martins em seu trabalho Análise
e importância dos dicionários analógicos para
a Língua Portuguesa mostra que os dicionários
analógicos são produtos culturais construídos com
a finalidade de facilitar a pesquisa do termo exato para a elaboração
de textos. Trabalha com grandes conjuntos de vocábulos agrupados
pelo critério semântico. O Português possui alguns modelos
que são muitas vezes desconhecidos por parte dos que usam a língua
diuturnamente. Conhecer a história destes produtos culturais, o
seu funcionamento e a importância deles no uso da língua é o
objetivo no presente artigo.
João Bôsco Cabral dos Santos em seu texto O
discurso universitário institucional elabora um construto
teórico sobre o Discurso Universitário Institucional (DUI),
com o intuito de formalizar este discurso enquanto tipologia discursiva.
Para construir essa reflexão, no que se refere aos sentidos constitutivos
do DUI, o autor enfoca cinco parâmetros potenciais de formalização
teórica, a saber: a) os enfoques conceituais; b) os direcionamentos
epistemológicos da formação profissional; c) as ações
pedagógico-metodológicas; d) as projeções acadêmicas
e e) a orientação política do fazer ciência.
O trabalho sobre leitura, de Jorcelina Queiroz Azambuja, Perguntas
e respostas = leitura interativa?, focaliza as questões
de compreensão e interpretação de textos dos livros
didáticos de Língua Portuguesa. A autora apresenta uma síntese
de teorias que buscam caracterizar o processo de leitura, firmando-se nas
propostas interacionistas. Além disto, Azambuja estuda, discute
e propõe quais tipos de perguntas seriam mais pertinentes e produtivas,
em atividades de sala de aula, para ajudar o aluno a atingir uma real compreensão
de textos.
O artigo Verbos gramaticais – Verbos em processo de gramaticalização de
Luiz Carlos Travaglia traz uma contribuição
ao estudo da variação e mudança lingüística
no campo da gramaticalização. O autor define o que entende por
verbos gramaticais e verbos em gramaticalização; propõe
cadeias de estágios de gramaticalização para os verbos;
define três status que os verbos gramaticais podem ter (marcadores, indicadores
e verbos funcionais); levanta as diversas funções gramaticais
que estes verbos podem apresentar na Língua Portuguesa e ainda apresenta
as formas com que os verbos gramaticais podem aparecer (verbos simples, auxiliares
e expressões). Finalmente Travaglia realiza um grande levantamento de
verbos já gramaticalizados ou em processo de gramaticalização
existentes no Português oral e escrito, indicando e exemplificando as
funções gramaticais de cada um. A importância deste levantamento é que
configura um ambicioso projeto para a pesquisa da gramaticalização
de verbos em Português ao indicar nada menos do que noventa e nove verbos
envolvidos neste processo de mudança lingüística.
Maria de Fátima Fonseca Guilherme de Castro relata,
em seu artigo, Gênero e interação conversacional
na sala de aula de língua inglesa na universidade, resultados
de uma pesquisa que objetivou investigar se e como o gênero
dos interlocutores pode contribuir para assimetrias nas interações
ocorrentes entre alunas e alunos brasileiros em contexto universitário
de sala de aula de conversação em língua estrangeira (inglês).
As aulas foram gravadas em áudio e vídeo, transcritas e analisadas
em níveis macro e micro. Outros instrumentos de coleta de dados foram
utilizados, tais como observação, notas de campo, questionários
e entrevista final com os estudantes. Para a autora, os resultados oriundos
da análise dos dados de sua pesquisa permitem a ampliação
de nossa compreensão de como a variável ‘gênero’ (homem
e mulher; masculino e feminino) pode contribuir para as assimetrias nos processos
interacionais instaurados nas aulas de conversação, assim como
evidenciam aos professores e professoras de língua inglesa, a complexidade
em que se procede a relação dessa variável no espaço
de sala de aula.
Em seu texto Ordenação de advérbios qualitativos:
reflexões sobre a unidirecionalidade na gramaticalização,
Mário Eduardo Martelotta apresenta uma reflexão
acerca da hipótese da unidirecionalidade, associada à teoria
da gramaticalização, com base na análise da ordenação
do advérbio qualitativo mal e dos advérbios qualitativos
terminados em -mente na fase arcaica da Língua Portuguesa.
Demonstra-se que, apesar da forte tendência à estabilidade,
houve mudança na polissemia dos vocábulos do português
arcaico até os dias de hoje, o que aponta para uma mudança
sucessiva, com o surgimento posterior de valores associados normalmente
ao fim das trajetórias de gramaticalização.
Em O Algoritmo de preenchimento nas
fronteiras de constituintes, Maura Alves de Freitas Rocha compara
o comportamento dos adjuntos (e adjunções) e dos preenchedores
discursivos em fronteiras de constituintes do Português do Brasil,
na modalidade oral e escrita, a partir da teoria X-barra e outros princípios
que sustentam a Teoria Gerativa. Além disso, adota o modelo teórico
proposto por Tarallo e Kato (1989) que postula interface entre Gramática
e Teoria da Variação. A análise desenvolvida evidencia
que a grande diferença entre língua oral e língua
escrita, em relação ao preenchimento das fronteiras, repousa
no percentual de preenchimento nas margens: a língua oral privilegia
a margem à esquerda e a língua escrita, a margem à direita.
Além disso, a distribuição dos preenchedores mostrou
que os adjuntos são os preenchedores que mais ocorrem na língua
escrita, ao passo que, na língua oral, ocorrem mais adjuntos e preenchedores
discursivos.
Osvaldo Freitas de Jesus em seu ensaio Leitura
e cognição mostra como leitura e aprendizagem
se interrelacionam. Para ele, aprender é arquivar informações
novas na memória de longo prazo, incorporando-as às informações
já existentes, alargando de maneira distribuída o banco
de dados neuronal. Para que as informações tornem-se conhecimentos,
elas precisam ser elaboradas e integradas à rede a que pertencerão,
inclusive com fácil acesso para eventual reutilização.
A leitura, tanto da página de papel como da página eletrônica, é um
dos maiores fatores de aprendizagem. Mas ler é muito mais
complexo do que parece ao senso comum. Esse texto procura descrever a odisséia
neuronal durante a leitura, percorrendo o trajeto desde os deslocamentos óculo-cinéticos
até a interpretação final do sentido.
Para que o fruto da leitura permaneça na memória, a proteína
cinase, ativada por outra proteína, a AMPc, adere ao DNA dentro
do soma, o qual comanda o RNA a produzir proteínas adicionais,
necessárias à formação da circuitaria neuronal
duradoura. Para o autor, conhecer melhor o processo da leitura implica melhor
conhecer o funcionamento do cérebro, especialmente quanto à formação
da memória de longo prazo.
Para Waldenice Moreira Cano em Descrição
e tratamento de unidades léxicas adjetivais especializadas num dicionário
escolar de ciências, o objeto de estudo da Terminologia
são as unidades terminológicas que se utilizam nos domínios
de especialidade, concebidas como unidades da linguagem natural, que formam
parte de uma língua natural e da gramática que descreve cada
língua. Além das unidades nominais, o conhecimento especializado
pode ser reconhecido e adquirido através de outras unidades transmissoras
de conhecimento, como unidades adjetivais, verbais, fraseológicas, paráfrases,
unidades recorrentes, entre outras. Neste trabalho é discutida a questão
do tratamento e colocação, num dicionário escolar de Ciências,
das unidades de significação especializada adjetivais. Foi levado
em conta neste estudo o paradigma teórico proposto pela Teoria Comunicativa
da Terminologia (TCT), que permite redirecionar o tratamento de muitos aspectos
da Teoria Geral da Terminologia, através de uma perspectiva comunicativa.
A TCT trata o conhecimento especializado “in vivo”, isto é,
fruto da comunicação especializada real estabelecida entre os
interlocutores. Dessa maneira, pode-se postular, do ponto de vista lingüístico,
que as unidades de significação especializada (USE) ocorrem de
maneira natural no discurso e aí podem tomar formas diversas.
Finalmente, Waldenor Barros Moraes Filho, com seu estudo
intitulado O léxico das cores: uma análise contrastiva
português/inglês, analisa o universo léxico
das cores, em inglês e em português, a partir da definição
preliminar de cor básica, originalmente proposta por Berlin e Kay (1969)
e redefinida por Hays et al. (1972) como sendo aquela cor mais representativa
de pontos focais de tonalidade e luminosidade. As conclusões foram baseadas
em um corpus, extraído de dicionários bilíngües
e monolíngues, composto por aproximadamente três mil entradas
em inglês e mil em português, agrupado segundo características
semânticas e morfossintáticas em comum. Apesar da proliferação
de trabalhos de análises contrastivas na década de 1960, e das
críticas com relação, principalmente, ao seu caráter
de predição de erros e dificuldades, o autor, em sintonia com
os estudos de James (1980), defende uma revitalização das análises
contrastivas, uma vez que elas podem contribuir para a teoria da tradução,
para reflexões sobre universais lingüísticos e para os estudos
contrastivos na área da Lexicologia.
Todos os autores deste volume da coleção Lingüística
IN FOCUS são professores do Instituto de Letras e Lingüística
da Universidade Federal de Uberlândia, exceto Martelotta que atua na
Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Esperamos que este primeiro volume da coleção Lingüística
IN FOCUS seja o início de uma frutífera iniciativa
para a divulgação científica em nossa área e
um canal para a interlocução acadêmica no campo dos estudos
lingüísticos.
Os Organizadores